Noutros tempos teria já desistido
de tantas tentativas que fizera para lhe dizer aquilo que pretendia na medida certa. E ainda há
relativamente
poucos dias, os seus
dedos tinham dificuldade em acompanhar a rapidez dos pensamentos e corriam,
corriam sobre o teclado para não perderem pitada de tanto que havia para dizer. Sem hesitações, as
palavras saltavam
espontâneas a cada instante, quase sem necessidade
de correcções.
Fazia agora mais uma tentativa que
gostaria fosse definitiva. Queria apanhar a última ponta que
ficara
solta naquela sua
história, e desejava tanto e tanto, que ele,
ao
ler a sua
mensagem a pudesse
achar “extraordinária” como designara tantas outras (embora naquela altura os sentimentos, a
postura, o “sentir” fossem em
tudo diferentes
e era, por
isso, fácil
achar “extraordinárias” muitas coisas, todas as coisas...) Sabia, hoje,
que o que quer lhe dissesse não poderia ter
o mesmo encanto porque
ele teria
que encontrar, ao lê-la, uma melodia que ele já
não escutaria entoar das suas palavras, que não chegava ao coração com
o mesmo embevecimento. Tinha, porém, ainda uma esperança que ele pudesse
encontrar pelo
menos alguma beleza nas palavras que lhe dirigia, principalmente, e acima de tudo, que
elas fossem conciliadoras.
Tentava
encerrar,
senão da melhor forma, pelo menos da forma possível, aquele capítulo das suas vidas. Talvez não fosse
demasiado ousado dizer, daquela história de amor “suave e
intensa, intensa na suavidade e suave na intensidade”.
Já de regresso ao mundo que pisavam antes de se conhecerem (sim, porque
ambos tinham
deixado
de saber por algum tempo “lidar de forma sensível e
decidida com vários tipos de movimentos e rumores nos subsolos”. Ambos
estiveram temporariamente
ausentes numa outra dimensão, sublime, mas em
nada semelhante àquela
por onde caminhavam antes de se conhecerem).
Talvez
não lhe tivesse sido fácil romper com o que tinham criado apesar de não poderem também já, humana, sentimental e
intelectualmente manter toda aquela intensidade, tanto fervor, tamanha
proximidade.
A ela, faltou-lhe frontalidade por não ter tido
coragem para insistir quando as frases
dele, de um dia para o outro, inesperadamente, começaram a surgir reticentes, curtas e evasivas,
adiando constantemente uma qualquer explicação para qualquer coisa que ela
não
chegara
a perceber o significado. “Desculpa se não digo mais nada
hoje”, Desculpa as curtas frases” ... poucas palavras para algo que merecia
muitas, desculpa, e vou ser nitidamente egoísta, desculpa mais uma
vez.....”Talvez um dia haja oportunidade para comentar e desenvolver isso, e
nessa altura eu falarei e peço que não leves a mal se não falo agora”.
Nele,
em tudo emergia o egoísmo, retraindo-se nas palavras finais, afastando-a de si, quase como se (sabe-se lá por
que razão) a
empurrasse e enxotasse depois de a
ter
habituado a expor-se de uma forma tão aberta,
sensível, como geralmente os homens, com todos os atavismos que lhes são
criados,
não têm facilidade em fazê-lo (e isso tinha-a
enternecido tanto! Fora isso e tantas outras
coisas que fizeram
com que ele fosse
para si
uma pessoa excepcionalmente invulgar, ao ponto de tantas vezes se
ter
despido para ele)
e, no fim, largou-a
a adivinhar e a tirar conclusões, provavelmente erradas, conduzindo ao desfecho
que ambos conheciam.
Teria
bastado uma
frase simples e ela
teria sossegado, ter-se-ia afastado no mesmo instante. Ambos o sabiam
que assim teria que ser.
Hoje,
via
claramente como o cansaço era já notório. Diversas
vezes lhe
dissera
que partiria a qualquer momento, não o poderia prender se o
seu desejo fosse
voar:
“Que nunca
te passe pela cabeça meu Anjo que alguma vez as minhas
sensações e todas estas
coisas que te digo que podem parecer-te disparatadas e loucas sejam impeditivas de qualquer voo teu para um
qualquer outro poiso, para uma qualquer outra gaivota, outro poeta, outras músicas, outro
beijoabraçoabraçobeijo
que será sempre outro,
vivido de outra forma, com outra intensidade, com outra motivação com outro amor,
mas
com a certeza de que o que existe de sublime neste
momento
só poderá manter-se enquanto o
for.
Que nunca haja em ti causado por mim "uma asa que não voa, esmorece e cai
no mar". E se o sublime for fugaz, pouco importa, a riqueza foi tanta e tanta que terá sempre valido a pena!
E ele
não poderia jamais ter ideia da inveja que ela sentia
naquele momento da sua
capacidade de fragmentação das emoções, de cisão, de as arrumar em
compartimentos estanques. Era talvez essa a grande diferença que
descobrira entre
eles.
A sua capacidade
de romper, de passar do amor à indiferença, enquanto ela ia largando aos
bocadinhos....sempre a não querer deixar escapar por entre os dedos pequeninas
coisas que são tão grandes para o coração, e que
lhe permitiam, aos
poucos,
o ir
habituando a soltar-se,
desprendendo-se
lentamente para que não sofresse tanto!.
Fora
feliz
com ele
e por ele. A felicidade dele transparecia de todas as formas, saltava à
vista em cada frase que escrevia, cada sílaba pronunciada, nos tons e
tonalidades de cada tela desenhada com palavras, em todas as imagens criadas
repletas de beleza e encanto. E ela agradecia-lhe profundamente
cada uma de todas as palavras que lhe haviam sido dirigidas, mesmo que depois,
em
dados momentos, tivesse sofrido na mesma proporção.
Por
um breve período, haviam-se embrenhado de tal forma que não caberia entre eles uma pena, nem uma folhinha sequer.
Relendo algumas das mensagens que
haviam trocado por vezes era difícil, de
imediato, distinguir qual dos dois era o autor. As palavras de ambos
combinavam-se, fundiam-se, encadeavam-se. Hoje era como se repentinamente
um oceano
se interpusesse entre ambos.
Dias havia em que louvava
o facto de ele a ter sacudido e despertado da dormência em que a encontrara, outros, que em que o amaldiçoava. Talvez
isso fosse viver!
E ele dera-lhe
vida!
Aos
poucos iria
certamente saber posicionar-se naquele novo
ser
que renascera.