segunda-feira, 7 de julho de 2014

Recordando...

Noutros tempos teria já desistido de tantas tentativas que fizera para lhe dizer aquilo que pretendia na medida certa. E ainda relativamente poucos dias, os seus dedos tinham dificuldade em acompanhar a rapidez dos pensamentos e corriam, corriam sobre o teclado para não perderem pitada de tanto que havia para dizer. Sem hesitações, as palavras saltavam espontâneas a cada instante, quase sem necessidade de correcções.
Fazia agora mais uma tentativa que gostaria fosse definitiva. Queria apanhar a última ponta que ficara solta naquela sua história, e desejava tanto e tanto, que ele, ao ler a sua mensagem a pudesse achar “extraordinária” como designara tantas outras (embora naquela altura os sentimentos, a postura, o “sentir” fossem em tudo diferentes e era, por isso, fácil achar “extraordinárias” muitas coisas, todas as coisas...) Sabia, hoje, que o que quer lhe dissesse não poderia ter o mesmo encanto porque ele teria que encontrar, ao lê-la, uma melodia que ele já não escutaria entoar das suas palavras, que não chegava ao coração com o mesmo embevecimento. Tinha, porém, ainda uma esperança que ele pudesse encontrar pelo menos alguma beleza nas palavras que lhe dirigia, principalmente, e acima de tudo, que elas fossem conciliadoras.
Tentava encerrar, senão da melhor forma, pelo menos da forma possível, aquele capítulo das suas vidas. Talvez não fosse demasiado ousado dizer, daquela história de amor “suave e intensa, intensa na suavidade e suave na intensidade”.
Já de regresso ao mundo que pisavam antes de se conhecerem (sim, porque ambos tinham deixado de saber por algum tempo lidar de forma sensível e decidida com vários tipos de movimentos e rumores nos subsolos”. Ambos estiveram temporariamente ausentes numa outra dimensão, sublime, mas em nada semelhante àquela por onde caminhavam antes de se conhecerem).
Talvez não lhe tivesse sido fácil romper com o que tinham criado apesar de não poderem também já, humana, sentimental e intelectualmente manter toda aquela intensidade, tanto fervor, tamanha proximidade.
A ela, faltou-lhe frontalidade por não ter tido coragem para insistir quando as frases dele, de um dia para o outro, inesperadamente, começaram a surgir reticentes, curtas e evasivas, adiando constantemente uma qualquer explicação para qualquer coisa que ela não chegara a perceber o significado. “Desculpa se não digo mais nada hoje”, Desculpa as curtas frases” ... poucas palavras para algo que merecia muitas, desculpa, e vou ser nitidamente egoísta, desculpa mais uma vez.....”Talvez um dia haja oportunidade para comentar e desenvolver isso, e nessa altura eu falarei e peço que não leves a mal se não falo agora”.
Nele, em tudo emergia o egoísmo, retraindo-se nas palavras finais, afastando-a de si, quase como se (sabe-se lá por que razão) a empurrasse e enxotasse depois de a ter habituado a expor-se de uma forma tão aberta, sensível, como geralmente os homens, com todos os atavismos que lhes são criados, não têm facilidade em fazê-lo (e isso tinha-a enternecido tanto! Fora isso e tantas outras coisas que fizeram com que ele fosse para si uma pessoa excepcionalmente invulgar, ao ponto de tantas vezes se ter despido para ele) e, no fim, largou-a a adivinhar e a tirar conclusões, provavelmente erradas, conduzindo ao desfecho que ambos conheciam.
Teria bastado uma frase simples e ela teria sossegado, ter-se-ia afastado no mesmo instante. Ambos o sabiam que assim teria que ser.
Hoje, via claramente como o cansaço era já notório. Diversas vezes lhe dissera que partiria a qualquer momento, não o poderia prender se o seu desejo fosse voar: “Que nunca te passe pela cabeça meu Anjo que alguma vez as minhas sensações e todas estas coisas que te digo que podem parecer-te disparatadas e loucas sejam impeditivas de qualquer voo teu para um qualquer outro poiso, para uma qualquer outra gaivota, outro poeta, outras músicas, outro beijoabraçoabraçobeijo que será sempre outro, vivido de outra forma, com outra intensidade, com outra motivação com outro amor, mas com a certeza de que o que existe de sublime neste momento só poderá manter-se enquanto o for. Que nunca haja em ti causado por mim "uma asa que não voa, esmorece e cai no mar". E se o sublime for fugaz, pouco importa, a riqueza foi tanta e tanta que terá sempre valido a pena!
E ele não poderia jamais ter ideia da inveja que ela sentia naquele momento da sua capacidade de fragmentação das emoções, de cisão, de as arrumar em compartimentos estanques. Era talvez essa a grande diferença que descobrira entre eles. A sua capacidade de romper, de passar do amor à indiferença, enquanto ela ia largando aos bocadinhos....sempre a não querer deixar escapar por entre os dedos pequeninas coisas que são tão grandes para o coração, e que lhe permitiam, aos poucos, o ir habituando a soltar-se, desprendendo-se lentamente para que não sofresse tanto!.
Fora feliz com ele e por ele. A felicidade dele transparecia de todas as formas, saltava à vista em cada frase que escrevia, cada sílaba pronunciada, nos tons e tonalidades de cada tela desenhada com palavras, em todas as imagens criadas repletas de beleza e encanto. E ela agradecia-lhe profundamente cada uma de todas as palavras que lhe haviam sido dirigidas, mesmo que depois, em dados momentos, tivesse sofrido na mesma proporção.
Por um breve período, haviam-se embrenhado de tal forma que não caberia entre eles uma pena, nem uma folhinha sequer.
Relendo algumas das mensagens que haviam trocado por vezes era difícil, de imediato, distinguir qual dos dois era o autor. As palavras de ambos combinavam-se, fundiam-se, encadeavam-se. Hoje era como se repentinamente um oceano se interpusesse entre ambos.
Dias havia em que louvava o facto de ele a ter sacudido e despertado da dormência em que a encontrara, outros, que em que o amaldiçoava. Talvez isso fosse viver! E ele dera-lhe vida! Aos poucos iria certamente saber posicionar-se naquele novo ser que renascera.

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