A última vez que a encontrei, olhou para mim, sorriu
um pouco e logo de seguida com os olhos rasos de uma tristeza cavada disse-me:
- Agora tu também...Primeiro a tua mãe e agora tu...
Eu olhava-a em silêncio. Não tinha palavras de consolo.
Mais magra, mais velha. E se envelheceu de repente.
Envelheceu por dentro.
- Eu venho de vez em quando. Quando posso venho. Chamo
por si.
Sem parecer ouvir-me e deixando cair as lágrimas devagarinho
continuava.
- Levaste o gato. Eu podia tomar conta dele.
Sabia que enquanto o gato lá estivesse eu teria que
aparecer.
- Vejo o miúdo às vezes, mas tu não estás...Sinto
falta dos bichos. Mesmo quando não te via sabia que estavas aqui ao
lado...Sempre podíamos falar.
Quando me encontrava na rua por vezes ficávamos horas
a conversar. Quase sempre me detinha em alturas em que eu estava com pressa mas
faltava-me a coragem para a interromper e deixava-me ficar.
A última vez que a encontrei não pude permanecer. Não
pude ficar a ouvi-la. Fui repetindo e repetindo para me aliviar a consciência:
- Daqui a dias eu volto, Amélia. Não tarda muito eu
venho, preciso de tratar de algumas coisas. Eu venho.
Sei que vou adiar a ida, evitá-la se puder. É aquela casa que me faz mal. Aquela rua enche-me de angústias. A cidade
deixa-me atarantada. O meu estômago contrai-se, as palmas das mãos transpiram,
encho-me de calafrios. Revejo os anos a uma velocidade vertiginosa. As dores
galgam-me, atropelam-se deixando-me combalida, tão débil quanto a Amélia.
Se permanecesse...
Amélia permanecerá, de olhos tristes, vagos, no seu
imenso desamparo.
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