sábado, 9 de fevereiro de 2013

Cartas esquecidas

Sabes, há meses que sigo aos baldões.  Aparentemente distante e indiferente a quase tudo. Por isso, nem tenho escrito. Não encontrava nada para dizer. As palavras vagueavam, e creio que ainda vagueiam um pouco, às reboletas, sem se encadearem, dentro mim. Sentia-me incapaz de me deixar levar por elas, esbarrando numa incapacidade enervante. Sentia-as apenas como palavras soltas que iam emergindo quando olhava lá para fora ou me cruzava com alguém na rua. Surgiam como um jogo, como se a cada coisa que visse tivesse que atribuir uma palavra que rapidamente esquecia. Talvez eu quisesse que assim fosse, ou precisasse. Tem sido uma forma de existir, uma fuga à alma. Existo de esforços, não de vontades. O que gostaria que fosse não está nas minhas mãos, nelas encontro apenas a capacidade para amparar e, quando muito, tentar moldar aquilo que me atiram. Não tenho alternativa. Apanho e busco dar alguma forma, transformar para reduzir sofrimentos. Não me é permitida escolha possível.
Nesta modorra, de quando em quando, vou pensando tentando não pensar.
Quando o dia a dia me permite caio em sonos profundos. O meu único anseio é que a noite chegue. Aconchego-me debaixo do lençol e só ali me sinto verdadeiramente bem. Acontece-me, ultimamente, sentir muito frio quando a sonolência começa a entorpecer-me o corpo, e sinto que o colchão cede e me engole envolvendo-me como uns enormes braços. De repente, o meu corpo arrefece, chego a pensar que é a morte que se aproxima de mim, que me quer tocar, me perscruta. Depois volto a sentir-me inerte e confortável, sem contudo ter a certeza de ter aquecido, e julgo sem pânicos ou receios, que ela terá talvez julgado que não chegou ainda o momento de me pegar na mão e me levar. Quando estou prestes a adormecer novamente a minha barriga se contrai. É uma sensação estranha e ao mesmo tempo agradável que se repete um sem números de vezes. É uma espécie de embalo e assim adormeço. Depois, só volto a dar por mim de manhã. Sonho toda a noite. Quase sempre os sonhos se repetem por isso sei que tenho  questões pendentes comigo. Por isso, sei também que, em parte, são elas que me impedem de escrever e me mantêm nesta inércia como se navegasse dentro de mim sem um rumo, deixando seguir os dias ao sabor de nada. Vou-me embrulhando nas noites em busca de um falso descanso.  Raramente acordo revigorada e logo de novo desejo que a noite se apresse e desça sobre mim causando-me arrepios e contrações  nos músculos da barriga numa espécie de brincadeira.
Tenho andado às voltas com Lévinas com a mesma impertinência quase que andei em tempos com Ilda. Apesar de ainda buscar diversas respostas, julgo, à luz daquele homem, ir compreendendo algumas das tuas afirmações e, sobretudo, finalmente percebi que afinal as palavras e a força ou a intensidade que nós lhes atribuímos não será a mesma que quem as profere lhes atribui. As palavras são o espelho de um estado de alma e como tal fortuitas. Somos nós, os receptores, que por vezes lhes queremos atribuir um carácter permanente ou definitivo, estupidamente, porque nada na vida o é. Afinal, não passamos de veículos uns para os outros servindo hoje um propósito que amanhã deixa de fazer sentido. Nada mais natural. A vida não pára e não nos podemos amarrar a momentos, a palavras que são tão efémeras quanto o tempo. O seu significado esvai-se como as ondas rebolando e desfazendo-se na areia.
Ontem, olhava o mar e pensava justamente em tudo isto. Não há forças nem desejos que possam travar aquele perpétuo movimento. E foi isso que não compreendi todo este tempo. Contemplando o oceano, observando aquele vai e vem das águas, correndo para a areia que as aguarda e com elas rebola numa dança ímpar, deixando-se depois ficar aguardando pacientemente novas vagas, outras espumas, outras marés. Entristeci-me talvez em vão enquanto esperei um regresso de palavras cujo significado se desfez em pó,  na  inconstância das palavras e do tempo incessante.

2 comentários:

  1. ...e o mar enrola na areia...
    lindo, como ontem ouvi numa descricao de agua por uma crianca..."e a transparencia que se bebe"

    saudades pa bota a garrafa no frio que serves tu! bjs

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    1. Oláaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!! Não consigo aceder ao teu blogue!!!! Quero ler-te!!! Tenho saudades. Podes dar-me acesso?

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