Depois do amor, vivemos à meia-luz, desbotados, ressequidos. Passamos a ser meio tudo; meio cegos, meio surdos, meio conformados, meio alegres e meio infelizes e meio indiferentes. Ficamos no mais cavado dos impasses, na mais aflitiva indefinição.
Vamos deixando cair aos poucos o brilho, a vivacidade. Olhamos a vida com a resignação de um velho que tem pouco para esperar das faculdades que lhe sobram e que não consegue já usar; dos sentidos que se vão.
O maior sofrimento vem da consciência de tudo isto.As pedras, as ervas, as gotas de água continuam lá, no mesmo sítio, e em todo o lado, e nós vemo-las, com uma profunda dor, descoloridas e baças, sem encanto. Não deixamos de as ver e é nisso que reside o nosso sofrimento. Para onde quer que olhemos sabemos que em nada encontraremos a beleza de outros tempos.
Tudo o que nos chega vem aos pedaços, nada está completo, muito menos nós. Sobra-nos uma profunda saudade do que não sentimos no que vemos e nos enche os dias solitários de carências e vazios constantes. Vivemos na mesma solidão e abandono de um exilado num país estranho e frio, de mãos a abanar, avançando, sempre e sempre, para não se deixar morrer. A alma seca de esperança no regresso. O coração certo de que nada será como foi antes.
Deixámos, um dia, de ser os Raimundos deste mundo, para caminhar com passos imperturbáveis, sem necessidade de arrastar os pés porque perdemos o medo de escorregar, perdemos todos os medos, lançámo-nos despojados de defesas nos braços do amor convictos de que ele tudo podia. Perdemos o amor e perdemos também a firmeza no andar. Não voltamos a arrastar os pés, apenas caminhamos encurvados com o desânimo nos passos, sem um horizonte no olhar.
O pior que nos pode acontecer é continuar a ver sem nos emocionarmos, incapazes de sentir o amor no que tocamos, ouvimos e vemos. O pior que nos pode acontecer é ser aquilo que ficamos quando o amor se perde.
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