sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Recordou a primeira vez que ali entrara. Era de noite e fazia um frio de rachar. Viu uma sala com paredes ocre, um sofá velho e surrado, de gosto duvidoso. Em cima da mesa, nas cadeiras e pelo chão, na outra ponta da divisão, deparou-se com um amontoado de caixas de cartão, umas abertas, outras por abrir e ainda outras tantas vasculhadas, numa perfeita revolução. Por estranho que lhe parecesse a atmosfera era acolhedora. Talvez fosse a luz das velas que a tornasse assim. Olhando ao seu redor num instante em que ficara só percebeu de imediato o quão destruído devia estar quem habitava aquela sala. E no entanto esmerara-se espalhando velas aqui e ali. As paredes tinham ficado nuas ou talvez sempre assim estivessem estado, à excepção de quatro fotografias dispostas, por ventura premeditadamente, muito próximas umas das outras, lembrando um abraço.
No caminho, pensara que devia estar louca quando aceitou o convite. Meter-se assim à estrada, de noite, para se encontrar com alguém que apenas vira uma vez. Seguia as indicações que lhe tinham sido dadas sem saber bem para onde ia. Ninguém sabia do seu encontro. Seria uma insensatez sem tamanho não fossem aqueles olhos. Pensou neles e sossegou. 
Saiu de madrugada. Ilesa. Por companhia levava o olhar triste e doce que ficaria a aguardar o seu regresso àquele casarão vazio com uma sala com paredes ocre.

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