Não há um só dia em que não me lembre. Mas nunca falo disso. Queixo-me de coisas menores como se a minha vida fosse apenas isso. Zango-me com trivialidades. Atribuo-lhes uma importância que não teriam não fora o resto de que não falo. Não posso. Se me permitisse deixar que viesse à tona seria o mesmo que me lançar no abismo. Enleava-me num desfecho que não chega, numa espera que me consome, num enredo dramático, aterrador e tão absurdo que não haveria forças que me fizessem prosseguir.
Faço de tudo para não pensar. Agarro-me a qualquer coisa.
Tento recuperar, a cada dia, dos estragos que não têm conserto possível. Serão para a vida.Também não falo deles. Quando me atormentam ao ponto de achar que não resisto, corro para o médico para que possa pelo menos dormir. Se me falam do assunto, se é preciso abordá-lo, cerro as mãos, cerro os dentes, com toda as ganas que encontro e esforço-me, esforço-me com todas as forças que me sobram para que não me fraquejem as pernas.
Não choro sequer, apenas às vezes o corpo não responde quando o espevito e a cabeça massacra-me, lembra-me que tenho um filho. Matraqueia-me. Obriga-me a ponderar todos os piores cenários que se poderão pôr e as suas consequências. Aí tremo de medo. Corro em todas as direcções para me esquecer.
Só penso nele. Só por ele me aflijo. Não fosse ele e nada disto me tirava o sono, me teria destruído, tirado anos de vida, num esforço sobre-humano para ele não cresça com o meu desespero, para que as marcas não sejam visíveis aos seus olhos.
Lutaria até às últimas consequências com um desprendimento que não posso ter, ou simplesmente viraria costas. Assim, estou de mãos atadas, resta-me esperar, resistir e viver sugando tudo o que encontro de bom e lindo à minha volta como se nada se passasse.
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