Sentou-se na cadeira de baloiço, próximo do calor que chegava do aquecimento e de frente para o mar. Fazia muito frio lá fora, mas ali, naquele cantinho, a temperatura era acolhedora. Não chovia, contudo, o tempo estava cinzento. Passava ali grande parte dos seus dias sobretudo no Inverno. Olhou para o chão e sentiu o vazio da ausência do seu fiel companheiro. Dera com ele, na véspera, num sono eterno, aos pés da sua cama. Pegou nele e entregou-o ao mar onde poderia prosseguir seu descanso.
Era o seu dia, hoje. Finalmente chegara. Levara anos a prepará-lo e, sobretudo, a preparar-se para ele. Imaginara-o vezes sem conta. Desejava-o mas mesmo assim não deixava também de o temer um pouco. Por isso, não estipulara uma data. Saberia quando fosse o momento. Acordou mais tarde do que era habitual e, contrariamente também aos seus hábitos, deixou-se ficar deitada. Não havia qualquer urgência em levantar-se. Ninguém a esperava, nem havia nada pelo que esperar. Voltou a adormecer e a acordar um sem número de vezes. De cada vez que adormecia, sonhava. E cada vez que acordava lembrava-se claramente do sonho que acabara de ter. Todos eles lhe traziam lembranças agradáveis do passado, rostos que não via há muito, locais já esquecidos. Por vezes, os acontecimentos sucediam num tempo que não era o seu ou em cenários inesperados, mas nem assim deixavam de ter algum nexo e, sobretudo, um enorme encanto. Sorria e deixava-se ficar imóvel, passeando-se pelas recordações que os sonhos despertavam até que o sono a voltasse a vencer.
Por fim, levantou-se. Seguiu todos os passos habituais apesar do avançado da hora. Depois de terminadas todas as rotinas, cumpriu a última tarefa que lhe permitiria finalmente mudar o curso dos seus dias e foi sentar-se no canto que era o seu preferido da casa. Pegou no livro, aconchegou-o contra o peito, segurando-o com as duas mãos, sobrepostas. Notou que tremiam um pouco e estavam engelhadas dos anos. Não se lembrava ao certo quantos fizera. Acontecia-lhe por vezes confundir a idade. Mas não se importava. Mais ano, menos ano, não fazia diferença. Eram muitos já. Demasiados. Encostou a cabeça. Baloiçando-se suavemente fechou os olhos e tranquilamente deixou-se ficar à espera.
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