Diário de uma louca

Hoje fiquei a olhar para ti enquanto dormias e encheste-me de pena. A vida corre e tu dormes. Enquanto dormes o tempo não volta atrás. Durante o teu sono há tanto a acontecer, momentos únicos que não se repetirão; gargalhadas que perdes, brincadeiras que não vês, palavras que não ouves e que fazem uma vida, dão-lhe sentido, constroem o futuro, serão o passado. Durante o teu sono, os anos passaram, tanto mudou e tu dormias....Um dia, se acordares, verás que a criança se fez homem e tu não viste que as pernas cresceram, o corpo se transformou e transforma a toda a hora, as mãos ganharam agilidade, as palavras não já as mesmas, o discurso mudou, toma novos contornos, novas cores, novos tons.

Tenho pena de ti.

Enquanto tu dormes eu encho-me de felicidade, aproveito cada minuto, ando de mão dada, rio e choro, zango-me e faço as pazes, desespero, grito, perco o sono, a paciência, durmo abraçada, cubro-o de beijos e abraços, brinco e danço e canto e corro e dou saltos e rebolo em cima da cama, chapinho nas poças de água, conto anedotas, digo disparates, tantos e tantos, faço palhaçadas só para lhe ouvir as gargalhadas; ensino e aprendo todos os dias, partilho todos os minutos, vejo cada olhar, conheço-os todos, leio os silêncios, bebo as palavras, identifico cada centímetro daquele corpo, sei cada milímetro do seu ser. Esculpo e deixo-me esculpir, moldo e deixo-me moldar, vejo crescer e cresço também; crio cumplicidades, guardo segredos, que só nós partilhamos; limpo as lágrimas, acalmo as dores, curo as feridas; oiço músicas que são as nossas, minhas e dele; falamos com os olhos, com as mãos, quando não dizemos nada e enquanto isto tu dormes...

Enches-me de pena....
Um dia estarás deitado entre quatro tábuas...vazio!