quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Que puta de gratidão

Como ele não a podia ver, nem ouvir, ela adiantara-lhe que o seu tom não era zangado, aborrecido ou ressentido, não sabia sequer se seria de tristeza, era talvez um misto de coisas que não sabia definir, nem queria. Procurava penas esquecer aqueles últimos dias, o que eles a tinham feito sentir e lhe haviam mostrado.
Falava num tom baixinho, quase em segredo por receio que a voz lhe tremesse. Não suportava que a vissem emocionada, teimava em não chorar frente a quem quer que fosse. Sentia uma tremenda vergonha das suas lágrimas, os lábios tremiam-lhe quando se emocionava, não conseguia travá-los e, isso, constrangia-a profundamente.
Ao longo de todos aqueles dias, que pareciam eternizar-se, quase em desespero já, desejara com todas as suas forças que nada lhe tivesse acontecido. Procurara-o de todas as formas possíveis e imaginárias.
Chorara de alívio ao saber que estava bem e, ainda na esperança inocente e talvez até mesmo pueril, de que ele não tivesse tido possibilidades de responder ao seu apelo, resolvera esperar até que a vida retomasse a sua normalidade e então, certamente, ele encontraria uma qualquer forma de lhe dar a conhecer que estava bem. Esperara em vão.
E como fora difícil pegar no telefone para lhe ligar, o que precisara de fazer para ganhar coragem! Por isso, baralhada e incrédula, decidira naquele preciso momento apagá-lo da sua vida. Já tentara despir-se dele antes porque no seu coração não cabia tamanha indiferença e desprezo. Agora, que a frieza, o amuo e a birra tinham dado lugar à crueldade e, apesar de sentir, que sem dúvida, a culpa teria que ser dela, que tanto mal certamente lhe teria causado, sem entender como, mas só isso explicaria que tivesse desencadeado um sentimento tão feio num coração que sempre sentira tão lindo, sensível e terno, teria que o apagar. No seu mundo não podiam caber tais sentimentos.
Gostara dele, mais do que podia e devia, e sentira por ele algo que nunca julgara ser capaz de sentir por alguém. O efeito que exercera nela fora algo que ainda hoje a transcendia, mas fora bom, tão bom, o melhor que já alguém lhe despertara. Finalmente, achava que estava livre, livre como sempre quisera ser.
Achava agora que ao perdê-lo, ao querer apagá-lo de si, perderia também as palavras, a capacidade de as escrever porque fora com ele, para ele e por ele que descobrira o prazer da escrita. Perderia as palavras como tinha perdido o corpo.
Fora espantosa e incompreensível a forma como as palavras brotavam sem o menor esforço, sem hesitações. Os dedos corriam no teclado com dificuldade em acompanhar a velocidade dos pensamentos. A ideia da sua presença, as suas palavras, transtornavam-lhe todo o ser, proporcionava-lhe sensações indescritíveis, maravilhosas.
Desistira já de compreender o que quer que fosse. Não lhe questionava os sentimentos, compreendia-os tão bem...questionava apenas e somente as atitudes.
Queria agora partir de vez. Queria, ao apagá-lo, apagar também do seu coração a capacidade de sentir algo assim outra vez.
Por vezes, ao olhar para os seus olhos invadia-a uma sensação de profunda tristeza. Queria varrer para longe tudo o que a feria e mantinha incrédula.
Depositava no seu coração todas as esperanças de que ele, ferido e magoado, tratasse rapidamente de a salvar e lhe apagasse as profundas saudades que sentia. Queria guardá-lo seu baú, onde já existiam outras recordações penosas e que mantinha fechado.
Por vezes, sentia-se uma idiota por se ter deixado envolver daquela forma. Desde o início que sabia que mais tarde ou mais cedo o desfecho se anunciaria, sempre fora assim.
Nunca mais lhe chegaria uma única palavra vinda dele.
Ficavam-lhe muitas recordações boas, tantas e tantas emoções, breves momentos de profunda felicidade e eram estes bocadinhos de vida que.... No fundo nunca deixaria de lhe estar grata.

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